segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Quem são os BRASILIBANESES

Roberto Khatlab



No Líbano, 10 mil ‘brasilibaneses’ falam o português e perpetuam os costumes verde-amarelos


Brasil e Líbano: duas nações de grandes contrastes geográficos, econômicos e sociais. A superfície brasileira é de 8,5 milhões de km², ou 830 vezes a área do País do Cedro, que é de 10.452 km²; a população do Brasil é de mais de 180 milhões de habitantes, ou 45 vezes mais do que a população libanesa, estimada em quatro milhões. O Brasil é um país rico em recursos naturais e é um grande exportador. O Líbano é um país importador e um exportador limitado. Apesar de todas essas diferenças, onde esses dois países convergem? Sua base comum é a cooperação, conseqüência de uma emigração libanesa fecunda e evolutiva que permite o desenvolvimento contínuo das relações entre os dois povos.


A grande emigração libanesa para o Brasil data dos anos 1880, o que leva o Brasil a abrir seu primeiro consulado honorário em Beirute no ano de 1911, sob o Império Otomano. Nos anos 1920, sob o mandato francês, três por cento dos libaneses emigrados para o Brasil retornaram ao Líbano, tomados de nostalgia depois de juntar um pouco de dinheiro, que eles investem em diversos setores da economia libanesa. E em 1930 o Brasil envia seu primeiro cônsul-geral, que se instala em Beirute. Em 1948, os dois países assinaram uma primeira convenção cultural; depois, em 1951, uma convenção sobre transporte aéreo abriu o caminho para a inauguração da rota São Paulo-Beirute: Panair do Brasil (1961-66), Varig (1967) e MEA (1995-98). Essas duas convenções foram modificadas em 1997, com a primeira se tornando um acordo de cooperação cultura e educacional.


Em 1954, o presidente Camille Chamoun visita seu homólogo brasileiro, o presidente Getúlio Vargas. Naquela ocasião, um tratado de amizade, comércio e navegação foi assinado entre os dois países, seguido da abertura das embaixadas do Brasil em Beirute e do Líbano no Rio de Janeiro. Em 1961 , um consulado honorário do Brasil foi igualmente inaugurado em Trípoli, no norte libanês. Tendo em vista a intensificação das relações entre os dois países, a embaixada do Brasil no Líbano cresceu com o estabelecimento, em 2005, de um consulado-geral autônomo. No Brasil, a embaixada libanesa foi transferida em 1961 para Brasília, a nova capital. O Líbano dispõe, também, de dois consulados-gerais – em São Paulo e no Rio de Janeiro – bem como consulados honorários em Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e Fortaleza.


A comunidade dos “brasilibaneses” – um neologismo com o qual eu identifico os cidadãos binacionais líbano-brasileiros no Líbano – conta com cerca de 10 mil pessoas (sem incluir aqueles que retornaram ao Brasil sem ter obtido a nacionalidade). Em 1954, o banqueiro Jean Abou-Jaoudé funda, em Beirute, a Associação da Amizade Brasil-Líbano, que está em atividade até hoje. Os “brasilibaneses” estão presentes em todo o território libanês, do Norte (Dar Beechtar...) ao Sul (Kabrikha...), mas principalmente no Bekaa, onde existem aldeias inteiras – como Sultan Yaacoub, Kamed-Lawz e Ghazzé – com 90% de “brasilibaneses” que falam fluentemente o português e perpetuam os costumes brasileiros (gastronomia, música, arquitetura, agricultura...).


Uma das principais ruas de Zahlé, a capital do Bekaa, é chamada de “rua Brasil”. Existe outra “rua Brasil” em Beirute, perto do porto. Em Byblos fica a pequena capela de Nossa Senhora da Penha do Rio de Janeiro. Em Trípoli, o grande arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer desenhou o prédio que abrigou a Feira Internacional. E por todo o Líbano depara-se com nomes em português de lojas, indústrias, produtos e outros, com o Brasil influindo também nos hábitos libaneses, com o café, e sua bandeira nacional passando a fazer parte da paisagem local em época de Copa do Mundo de futebol.


Com o fluxo e refluxo dos libaneses, as relações diplomáticas, as visitas de personalidades e os acordos entre os dois países vêm aumentando consideravelmente. Em 2002, uma convenção universitária foi assinada entre, de um lado, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, e, do outro, a Universidade Libanesa (UL), bem como a Université Saint-Esprit de Kaslik (USEK).


Em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou o Líbano. Essa visita foi a primeira de um chefe de Estado brasileiro para o Oriente Médio desde as viagens do imperador D. Pedro II pela região, em 1871 e 1876, e se traduziu numa vontade comum de consolidar as relações bilaterais.


Em 2006, um memorando foi assinado entre o Núcleo de Estudos Libaneses (NEL-UFSM) e o Libanese Emigration Research Center (LERC), da Notre Dame University (NDU) para intercâmbios acadêmicos em matéria de estudos sobre a emigração. No mesmo ano, o ministro brasileiro da Educação, Fernando Haddad, de origem libanesa, visitou o Líbano e assinou com seu homólogo libanês, o ministro Khaled Kabbani, uma convenção de intercâmbio acadêmico entre os dois países. É nesse quadro que o primeiro seminário de intercâmbio acadêmico Brasil-Líbano foi realizado em Brasília, em agosto de 2007, com vistas ao desenvolvimento das relações no nível universitário. Em 2010 a Universidade Federal do Parana (UFPR) assinou convenio universitario com a Universidade Saint-Esprit de Kaslik (USEK), Libano na qual tem o Centro de Estudos e Culturas da America Latina (CECAL-USEK).


Dois professores brasileiros de origem libanesa viajaram ao Líbano para realizar estudos de pós-doutorado: a Dra. Jalusa Abaide, da UFSM, que desenvolveu estudos na área do Direito e do Meio Ambiente na USEK, e o Dr. Jamil Zogheib, da Universidade do Paraná, que realiza atualmente uma pesquisa sobre o tema “Psicologia e violência”. Um terceiro professor brasileiro acaba de desembarcar no Líbano para ministrar cursos de língua e literatura brasileiras na Universidade Libanesa. Ressalta-se, ainda, que muitos libaneses têm se especializado no Brasil, particularmente na área médica da cirurgia plástica.


Num outro plano, o Líbano tornou-se um dos principais países importadores de rebanho vivo do Brasil, em um total equivalente a 70 milhões de dólares entre janeiro e novembro de 2007. Nesse mesmo período, o Brasil exportou para o Líbano produtos no montante de 186 milhões de dólares e importou do país um total de 13,6 milhões de dólares em produtos. Um importante comércio triangular, ultrapassando esses números, foi também estabelecido no Líbano com a aquisição de produtos brasileiros que são exportados para outros países do Oriente Médio e para o Leste da Europa.


Os “brasilibaneses” presentes no Líbano desempenham importante papel em muitas atividades locais – industriais, comerciais ou de serviços – e se destacam com freqüência na sociedade e na política. Citemos as famílias Makari, Abou-Jaoudé, Chartouni, Mourad, Sayegh, Eddé, Zoghby, Obeid, Chaoul, Labaki, Takla, Farhat, Fenianos... São sobrenomes libaneses, mas que têm, por vezes, outros sobrenomes maternos, como Silva, Oliveira, Santos...


Existe, por conseguinte, uma vontade concreta de desenvolver as relações econômicas, turísticas, culturais e acadêmicas entre os dois países e de estabelecer, finalmente, verdadeiros contatos entre os emigrados, com a criação de oportunidades de trabalho no Líbano. Os milhares de “brasilibaneses” e outros libaneses se beneficiarão disso, certamente, permitindo, assim, que seja freada a partida dos jovens que retomam, hoje, o caminho da emigração.
“Sem emigração, nós não poderíamos viver”, dizia Michel Chiha. “Mas se a emigração se torna muito importante, nós poderíamos morrer”.


Roberto Khatlab - Pesquisador e historiador com estudos em filosofia e teologia oriental, história e arqueologia. Atualmente é diretor do Centro de Estudos e Culturas da America Latina da Universidade Saint-Esprit de Kaslik (CECAL-USEK), pesquisador do Lebanese Emigrants Research Center da Notre Dame University (LERC-NDU) e pesquisador associado ao Museu Nacional do Rio de Janeiro, RJ.


[Traduzido, do francês, por Jorge Jreissati]
Texto publicado originalmente no diário L’Orient-Le Jour)

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